Tony Manero
- Criado em Quarta, 25 Dezembro 2013 11:41
- Escrito por Edgar Olimpio de Souza
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O filme do diretor chileno Pablo Larrain é um retrato cruel dos tempos atuais. O personagem cinqüentão Raúl Peralta (Alfredo Castro, em impressionante composição) encarna o tipo que não mede esforços para atingir um objetivo, mesmo que para isso tenha de executar barbaridades, atacar estranhos na rua e cometer pequenos furtos. Não há obstáculos para a sua obsessão de imitar Tony Manero, o jovem suburbano do mega sucesso Os Embalos de Sábado à Noite (1977), que dançava ao som da discoteca e dos Bee Gees. Peralta conhece todos os gestos e trejeitos de seu ídolo pop. Não fala inglês, mas repete diálogos inteiros de seu filme preferido, que assiste quase todas as tardes em um cinema decadente e vazio. Obstinado, chega a ensaiar a coreografia imortalizada no longa pelo ator John Travolta – a tal identificação entre espectador e personagem, mais comum do que se imagina. Não demora, se inscreve num concurso bizarro de uma emissora de televisão local, que pretende escolher o melhor sósia de Tony Manero. Até roupa idêntica ao dançarino ele já comprou porque, afinal, seu passaporte para o sucesso não pode ser desperdiçado. Há razões de sobra para ele mergulhar numa espiral de autodestruição e liberar psicopatias. O ambiente onde toda essa história se desenrola é um bairro pobre da periferia de Santiago, capital do Chile, durante a violenta ditadura instaurada por Augusto Pinochet desde 1973. A ação gira em torno de uma pensão de quinta categoria, onde vive o protagonista, que também abriga o bar mais freqüentado da região e serve de palco improvisado para as suas toscas apresentações. Circulam por ali a dona do local, sua namorada de meia idade e a filha dela, com quem Peralta flerta.
Diferentemente do previsível, o enredo não esmiúça o golpe militar, os desmandos do governo e a censura arraigada. Observa, no entanto, o que um regime ditatorial pode gerar numa sociedade. Trata-se, portanto, de uma metáfora sobre as ditaduras militares latinas na segunda metade do século passado. A tese subentendida é a de que Peralta seja um produto repulsivo e vulgar do sistema. Uma anomalia. Os personagens, aliás, vivem e alimentam relações doentias e frias. O aspirante ao Tony Manero chileno, por exemplo, é um homem amoral e patético, mas atrai o fascínio (ou medo) dos demais – a sequência em que salva uma idosa de um assalto e minutos depois a assassina é exasperante e repulsiva. Larrain não ignora a realidade política, os anos de chumbo no Chile. A polícia até aparece em cena, mas para vigiar, prender ou eliminar militantes oposicionistas. Nos atos criminosos, nunca está presente. Vários símbolos e associações se espalham pela trama, compondo uma radiografia da miséria física e moral de uma sociedade amedrontada. O cineasta roda o filme seguindo a linguagem de uma produção caseira, com imagens granuladas, câmera tremida, tons escuros, closes. Explora a atmosfera niilista e melancólica da época. O cenário de sujeira, porém, parece dar um sentido de humanidade, ainda que sombria, aos acontecimentos. Tudo o que está à margem da estética convencional reforça o clima de desajuste em um país que, sob o efeito nocivo de um regime de exceção, revelava-se incapaz de preservar a própria cultura e tradição. O tema da perda da identidade de uma nação e do seu vazio ideológico se intromete na história deste personagem sem parâmetros morais e desequilibrado. O drama naturalista e amargo de Larraín, que fez sucesso em festivais e colheu críticas diversas favoráveis, é uma crônica urbana perversa e perturbadora.
(Edgar Olimpio de Souza)
Avaliação: Ótimo
Tony Manero
Título Original: Tony Manero (Chile / Brasil, 2008)
Gênero: Drama, 97 min
Direção: Pablo Larrain
Elenco : Alfredo Castro, Paola Lattus, Héctor Morales e outros
Distribuidora: Imovision
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