EDITOR: Edgar Olimpio de Souza (O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

 

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Decálogo

Filmada para a tevê polonesa, a minissérie do grande diretor Krzysztof Kieslowski é um projeto difícil de classificar e árduo de descrever. Alguns críticos preferem vê-lo não como um filme, mas como dez médias-metragens independentes entre si. Eles não estão errados, mas também não estão certos. Difícil de entender? É o seguinte: as dez histórias independentes têm uma unidade temática e narrativa rara. Você pode ver um só episódio ou os dez e então perceber conexões aparentemente invisíveis entre elas. O formato é virtualmente perfeito para introduzir o espectador num dos projetos mais densos e belos já formatados para a telinha da televisão. Decálogo é Kieslowski – o último dos grandes cineastas europeus a beber na fonte do existencialismo, a exemplo de Bergman e Antonioni – na plenitude de seus poderes de dramaturgo. Nas dez narrativas, todas ambientadas em um conjunto residencial da capital Varsóvia, pessoas comuns enfrentam problemas cotidianos que se manifestam em diversas camadas de significados. Nas histórias, o diretor propõe uma discussão livre sobre temas universais da condição humana: amor, culpa, solidão, amizade, tristeza, ética, medo.

A idéia inicial do cineasta, que escreveu os dez roteiros junto com o parceiro Krzysztof Piesiewicz, era fazer um pequeno filme sobre cada um dos Dez Mandamentos. O projeto partiria de uma reflexão mais ampla a respeito da decadência dos valores católicos em uma Polônia transformada durante o século XX em terra devastada, pelos nazistas, e depois em território de ateísmo obrigatório, pelos comunistas. Enquanto escrevia as histórias, contudo, Kieslowski mudou de idéia. Retirou todas as referências à política, ao tempo e ao país, e deu dimensões mais universais à narrativa. Além disso, ele não cometeu o erro de restringir cada segmento à abordagem de um único mandamento. Essa abordagem, pelo contrário, era sempre fluida, mera desculpa para a investigação de problemas que todos nós vivemos, em algum momento de nossas vidas. O fio narrativo comum é o espaço em que as tramas se desenrolam. O conjunto de apartamentos, com sua arquitetura monótona típica dos países do Leste europeu, sugere que, dentro de cada uma daquelas janelas, um drama universal e, ao mesmo tempo, particular se desenrola. Kieslowski sugere ter escolhido, quase aleatoriamente, dez dessas histórias para narrar. Agindo assim, o diretor conseguiu produzir uma pequena junção de filmes que pode ser assistido tanto como um projeto único quanto como dez pedaços de vida independentes. Coletivamente, a minissérie ganha ares de obra-prima. Trata-se de uma coleção completa de tramas intimistas, que cobre todo o espectro de emoções a que um ser humano está exposto durante sua breve passagem pela Terra. Nesse sentido, ela consegue algo que nem mesmo os melhores trabalhos de Kieslowski (A Dupla Vida de Verónique e a Trilogia das Cores) ousou atingir – a transcendência. A soma dos dez fatores supera, e muito, o valor individual de cada um deles. É um caso atípico em que dois mais dois são cinco.

Quando se observa os dez pequenos filmes como um segmento único, fica difícil apontar destaques. Os episódios têm uma admirável coerência e uma força coletiva inigualável. Entre os preferidos deste crítico está o terceiro, em que uma mulher desesperada bate à porta da casa de um ex-amante, em plena noite de Natal, e pede a ajuda dele para encontrar o marido desaparecido. O sexto, sobre um rapaz tímido que se apaixona por uma vizinha e adquire o hábito de espiá-la e segui-la sempre que tem chance, é também surpreendente. Mas todas as histórias, de certa forma, o são. Elas estão muito distantes do tipo de narrativa clássico, com começo, meio e fim bem demarcados. São pequenas fatias de vida, como se o Robert Altman de Short Cuts fizesse um filme menos dramático e enfocasse problemas mais banais. Kieslowski filmou os dez enredos com diferentes diretores de fotografia, mas a unidade visual é bastante evidente. Ele também providenciou que os diversos protagonistas de cada segmento aparecessem, como figurantes, em outros. Dessa forma, o espectador atento pode reconhecer o médico do episódio dois dividindo um elevador com o casal que protagoniza o três e assim por diante. Há ainda um personagem misterioso, que não tem nome e jamais abre a boca, que aparece nos dez episódios, observando a ação sem nunca tomar parte dela. O sujeito é um segredo que Kieslowski nunca quis elucidar. Ele só pediu que o “homem sem nome” não servisse de distração para os verdadeiros mistérios que quis apresentar ao longo da obra. Que assim seja. A minissérie é cinema em um nível de excelência que não existe mais, obrigatório na coleção de qualquer cinéfilo que se interessa pelos enigmas da natureza humana.                                           

(Rodrigo Carreiro, do site Cine Repórter)                                                                           

(Não Matarás – Foto Divulgação)

 

Abaixo, sinopses extraídas do blog Sétima Arte Séries:

 

Decálogo 1

Um professor universitário que acredita na razão e nas forças das leis da ciência convive com seu filho de dez  anos, dividido entre a crença científica paterna e a fé religiosa de uma tia.

Decálogo 2

Mulher engravida de seu amante e resolve abortar, caso seu marido, gravemente enfermo, se recupere. Uma

Decálogo 3

Para procurar seu marido, desaparecido durante a véspera do Natal, mulher pede ajuda a um antigo amante, relembrando, durante o encontro, o relacionamento tumultuado que tiveram no passado.

Decálogo 4

O relacionamento afetuoso entre um viúvo e sua filha de vinte anos sofre alterações quando esta descobre, por meio de cartas escritas pela mãe, que ele não é seu verdadeiro pai.

Decálogo 5

Um crime ocorrido em Varsóvia une três personagens: um desocupado, um taxista e um advogado em início de carreira. Posteriormente deu origem ao longa Não Matarás.

Decálogo 6

Jovem tímido declara seu amor a uma vizinha e fica decepcionado ao descobrir que ela encara com extrema liberdade uma possível relação entre eles. Foi depois transformado no longa Não Amarás (foto ao lado).

Decálogo 7

Garota entrega sua filha para a avó criar e se passa por sua irmã. Quando a criança está com seis anos, a verdadeira mãe resolve aproximar-se, levantando antigas mágoas entre as duas mulheres.

Decálogo 8

Pesquisadora judia encontra-se com uma professora de Ética da universidade que há 45 anos negara-lhe ajuda durante a Segunda Guerra Mundial.

Decálogo 9

Ao descobrir que o marido é impotente, mulher envolve-se com um jovem amante, criando uma situação conflituosa para si e seu marido.

Decálogo 10

Com a morte de um filatelista que em vida mal se dedicava a sustentar a família, uma verdadeira fortuna em selos é descoberta. Seus doisfilhos são obrigados a tomar medidas de segurança para proteger a inesperada herança.

 

Decálogo

Título Original: Dekalog (Polônia, 1987)

Gênero: Drama, 57 minutos cada episódio                                                                                                                

Direção: Krzysztof Kieslowski

Elenco: Miroslaw Baka, Henryk Baranowski, Artur Bacis, Aleksander Bardini e outros

Distribuidora: Versátil

 

Veja cenas do episódio Não Amarás:

 

 

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